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Violência nas escolas

  • Ana Caetano
  • 12 de out. de 2015
  • 6 min de leitura

A propósito da notícia sobre a rixa entre dois alunos que resultou em coma de um deles, aqui ficam algumas considerações do que ficou por dizer na minha participação no programa "Agora Nós" da RTP1, emitido no dia 12 Outubro 2015.

1 – “Como é que é possível este grau de violência nas escolas!!?”

Por muito que nos custe admitir as rixas entre miúdos nas escolas são comuns. Gostaríamos de imaginar que num desentendimento entre miúdos de 12 anos se recorresse já ao diálogo e negociação entre ambas as partes para que se chegasse ao melhor resultado. Não é assim a natureza humana. Ao longo do crescimento serão cada vez menos comuns essas situações, mas aos 12 anos, com muitas hormonas a afetar corpo e regulação emocional, é comum. Depois os educadores estarão lá para indicar a melhor forma de se resolverem problemas.

2 - “Mas não está ninguém nos recreios a vigiar o que se passa lá? O que andam a fazer os professores e os auxiliares?”

Se formos às nossas memórias de escola, lembramos como era. Estava-se uma hora mais ou menos dentro das aulas, dava o toque de saída e era uma corrida ao bar, à casa de banho, para regressar passados 10/15 min, antes do 2º toque para não se ter falta. Depois havia o intervalo maior, onde para além do almoço, se podia (finalmente) brincar, antes das aulas da tarde. Há muita energia contida a ser libertada em pouco tempo. Ainda bem que nos mexemos durante esses intervalos porque assim se aguenta mais uma empreitada de aulas. E assim as escaramuças acontecem muito rapidamente. Com muitos ou poucos auxiliares em modo de vigilância, estamos num local potencialmente explosivo. E depois fora das aulas, as regras são mais leves (e ainda bem), sendo que os auxiliares não tem o mesmo poder formal dos professores na sala de aula.

3 – "Então não viram como foi grave a agressão?! 40 pontos na cabeça e não se vê?! Que vergonha!?"

Talvez não tenham os meios para ver tudo…se o jovem só se sentiu mal passadas 7 horas, mesmo que houvesse atuação imediata, talvez não se identificasse a lesão no ouvido que acabou por acontecer mais tarde…visivelmente não havia nada. Vamos pensar um pouco sobre a indignação acerca de “como é que o rapaz leva 40 pontos e ninguém vê nada!?” Usemos a lógica: por muito negligente, distraído e cruel que se possa ser, uma lesão que leva mais tarde a serem usados 40 pontos, não passaria despercebida. Então que outras coisas podem acontecer para levar alguém a levar 40 pontos? Neste caso será uma operação que se inicia depois da identificação de um derrame interno… assim se admitem os 40 pontos. Ficamos mais descansados porque as nossas escolas não estão entregues a seres cruéis e negligentes.

4 - “Talvez neste caso talvez não conseguissem fazer melhor, mas quem lá está não percebe muito de crianças e desempenha mal as suas funções”

Nas escolas aqueles que mais tempo permanecem nos seus locais de trabalho são os auxiliares de ação educativa e no entanto são os menos visados em ações de formação especializadas relacionadas com as suas funções. Aliado a isto decorre que são pessoas com menos estudos. É justo exigir que tenham formação quando ninguém dá importância a isso e são pessoas que abandonaram há mais tempo os estudos?

Por outro lado, tenho dezenas de histórias em que são as “auxiliares” que dão o chá para a dor de barriga antes do teste, verificam que alguém está sistematicamente triste no recreio e fala ao diretor de turma, identificam situações de bullying/má alimentação/chantagem/roubos entre alunos. Há muitas coisas a acontecerem numa escola e simplesmente não há mãos para tudo.

5 - “Então se foi assim que aconteceu, a culpa é dos jornais que deram mal a notícia”

Temos de ser mais cuidadosa/os a emitir a nossa opinião, a criticar, a julgar…temos de treinar o nosso olhar sobre o mundo. A liberdade de expressão é valiosa para a construção de uma sociedade cada vez mais justa, respeitadora e potenciadora de bem estar. No entanto, não é na rapidez de um comentário que vamos colocar um tijolo nesta construção. Passará mais por perceber o que se passa e o que podemos fazer no nosso dia a dia. Por exemplo, estarei assim tão seguro/a que que o meu educando/a respeitará os colegas em todas as circunstâncias? Quais são as exceções a esse respeito e como posso ajudá-lo a prevenir uma situação problemática? E ajuda a contruir respeito pela escola fazermos comentários como: os professores são todos uns parvos, não fazem nada, a passearem-se na escola a fumar, só para receberem o ordenado no final do mês?” Não tomemos a árvore pela floresta.

[“(…) sociedade de informação, referimo-nos a um tipo de sociedade em que há uma crescente dependência dos indivíduos e instituições relativamente à informação e à comunicação, de forma a serem capazes de funcionar de uma forma efetiva em quase todas as esferas de atividades. A sociedade da informação caracteriza-se pelo predomínio do trabalho com informação, pelo grande volume do fluxo de informação, pela interatividade de relações, pela integração e convergência de atividade, pelas tendências globalizadoras e cultura pós-moderna. (…)

Também o Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal refere que a sociedade de informação é “o modo de desenvolvimento social e económico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais”. (…) Agora é o tempo do espaço público plural, mas também do espaço cujas regras do jogo são definidas pelas restrições impostas pelo espetáculo mediático e menos pela ética e pelo direito” IN http://www.ec.ubi.pt/ec/01/pdfs/sena-nilza-espaco-publico-democracia.pdf ]

6 – “Mas se até foi a liga chinesa que fez essa denúncia. Onde há fumo há fogo! Até pode ser caso de xenofobia”

É apenas um dos lados da notícia…devemos ouvir outras versões. Foi divulgado em alguns locais que o outro rapaz era romeno e que ambos tinha sido identificados como agressores na situação. Recordo aquela história de 7 sábios cegos que analisavam um elefante…

«Chegou à cidade um comerciante montado num elefante imenso. Os cegos jamais haviam tocado nesse animal e foram ao encontro dele. O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou:

- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar os seus músculos e eles não se movem; e eles não se movem; parecem paredes.

- Que disparate! - disse o segundo sábio, tocando a presa do elefante, este animal é fino como uma lança, uma arma de guerra.

- Ambos se enganam – disse o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante - Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca; é uma cobra mansa e macia.

- Vocês estão totalmente alucinados! - gritou o quinto sábio, que mexia as orelhas do elefante - Este animal não se parece com nenhum outro. Seus movimentos são ondeantes, como se seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante.

- Vejam só! Todos vocês, mas todos mesmo estão completamente errados! Irritou-se o sexto sábio, tocando a cauda do elefante. - Este animal é como uma rocha com uma cordinha presa no corpo. Posso até me pendurar nele.

E assim, ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, o que agora habitava a montanha, apareceu conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tateou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e lhe disse:

- Viu? Cada um deles disse a sua verdade, mas nenhuma delas é totalmente correta. Assim os homens se comportam diante da verdade. Pegam apenas uma parte, pensam que é o todo, e continuam tolos. Se soubessem ouvir e compreender o outro, e se observassem o mundo de diferentes ângulos, alcançariam o conhecimento e a sabedoria.»

7 – “Se é assim, vamos deixar que a escola seja uma selva e aceitar tudo como está!”

Não, não é assim. A escola é um dos locais que mais pode traumatizar uma pessoa, com repercussões ao longo do seu crescimento e vida adulta. Alguém que vive momentos de pânico, medo continuado de colegas “rufias”, é alvo de roubos/chantagens/humilhações, em determinadas idades, pode desenvolver desconfiança permanente do mundo, não conseguir estabelecer relações sociais saudáveis, isolar-se. Mais tarde quando entra no mercado de trabalho, pode manter essa visão do mundo não conseguindo realizar-se em termos profissionais, sociais e emocionais.

Lembremos que cada um de nós é um agente de mudança. Estar atento aos filhos, sobrinhos, miúdos que se cruzam connosco, pode fazer a diferença. Emitir opiniões informadas e sugestões de ação, cria um ambiente de cooperação entre os diversos membros da sociedade. Não sabemos tudo, sobre tudo, acerca do que os outros fazem. “Quem está no convento, é que sabe o que lá vai dentro”. Uma atitude de disponibilidade para ouvir pode fazer a diferença no momento em que emitimos uma opinião.

 
 
 

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